Junho/2025 Psicologia/Alma-Psiquê
A Voz da Alma-Psiquê
Perguntas da Infância, Sonhos e O Sentido da Vida
Vivemos a serviço de quem?
Em sua mensagem a um grupo de psicoterapeutas, Jorge Miklos cita James Hollis, que revela que o masculino também é vítima de uma violência ancestral: os homens vivem sob expectativas culturais que os privam da intimidade, da ternura, do erro e do cuidado.
Ao ler a mensagem do Jorge, prontamente interessei-me por Hollis, que eu não conhecia. Em minha pesquisa, encontrei uma entrevista em que Rangan Chatterjee conversa com Hollis, em seu canal Sinta-se Melhor e Viva Mais. O tema chamou minha atenção: 85 anos de idade: “Levou mais de 50 anos para aprender o que vou compartilhar com vocês".
Na entrevista, Hollis conta que estava preso numa cela de comportamentos adaptativos que o levaram a um processo depressivo. Felizmente, sua depressão o levou buscar a liberdade e a dar um novo sentido à sua vida.
A mensagem do Jorge e as notas que fiz sobre a entrevista de Hollis compõem este informe.
Agradeço à Malu, minha analista querida, por ter compartilhado comigo a mensagem do Jorge.
A mensagem de Jorge Miklos
“A minha experiência com homens que conseguem entrar e permanecer em análise aponta para uma dor justamente de "ter" que responder a esse lugar truculento e viril que a construção cultural da masculinidade lhes impôs.
É uma espécie de não-lugar sem saída, uma angústia que tem levado a uma travessia psíquica muito interessante. ...
Gostaria de acrescentar uma perspectiva que, ao meu ver, pode aprofundar ainda mais o debate: o patriarcado não vitimiza apenas mulheres. Ele fere a todos — homens, mulheres, natureza, corpos e vínculos.
Como nos lembra James Hollis em “Sob a Sombra de Saturno”, o patriarcado impõe aos homens um leito de Procusto(*): para caber no ideal viril e normativo, eles precisam amputar partes essenciais de si mesmos ou esticar aspectos estranhos à própria alma, perdendo-se de sua verdade interna.
Hollis revela que o masculino também é vítima de uma violência ancestral: os homens vivem sob expectativas culturais que os privam da intimidade, da ternura, do erro e do cuidado.
Saturno, o deus que devora seus filhos, simboliza esse ciclo de medo, humilhação e repressão emocional que atravessa gerações.
A ferida imposta pelo patriarcado não é apenas social ou política — é psíquica. E essa ferida, não tratada, se transforma em arma: homens feridos ferem outros homens, machucam mulheres e crianças, agridem o planeta.
Há, portanto, um elo entre patriarcado e ecocídio, entre machismo e normopatia. Ao aprisionar os afetos e extirpar a alma sensível, o patriarcado torna a existência árida — em todos os níveis. Por isso, a crítica à “feminilidade tóxica” só pode ser frutífera se for acompanhada da crítica estrutural ao patriarcado, esse sistema que corrompe o feminino e o masculino, que dessacraliza a Terra e que transforma o corpo em máquina de produtividade ou objeto de controle.
Assim, a questão não é sobre um “lado” tóxico, mas sobre um sistema tóxico. E como diz Hollis, a cura começa quando rejeitamos as expectativas coletivas e buscamos um caminho próprio, em que justiça, liberdade e vínculo não sejam apenas conceitos, mas experiências vividas — entre nós e dentro de nós.”
Jorge Miklos
(*) O leito de Procusto é uma referência ao Mito de Procusto, da mitologia grega. Procusto era um bandido que oferecia hospedagem a viajantes. À primeira vista, Procusto parecia um homem gentil: ele oferecia sua casa como abrigo a qualquer viajante necessitado que por acaso o encontrasse. A casa tinha duas camas, uma curta e outra comprida. No entanto, uma vez que o infeliz viajante escolhesse e se deitasse em uma delas, Procusto fazia questão de fazer o mesmo caber na cama. Seja usando seu aparelho infernal para alongar suas extremidades ou martelando seu comprimento para encurtá-lo. O mito nos estimula a refletir sobre a imposição de padrões rígidos e a intolerância às diferenças, onde a individualidade é sacrificada, forçando uma suposta normalidade ou padrão estabelecido, que interessa ao poder dominante.
A entrevista de James Hollis
85 anos de idade:
“Levou mais de 50 anos para aprender o que vou compartilhar com vocês"
A entrevista tocou minha alma-psiquê e quem sabe também toque a sua alma-psiquê.
Seguem as notas que fiz ao assistir e assistir novamente a entrevista. São recortes extraídos da sabedoria que Hollis adquiriu em mais de 50 anos de experiência de vida.
As falas do Hollis, traduzidas livremente por mim, aparecem entre aspas e em itálico.
Sonhos
As pesquisas sobre os sonhos nos contam hoje que temos 5 ou 6 sonhos por dia. Assim, uma pessoa de 80 anos passou aproximadamente 6 anos de sua vida sonhando. Vale lembrar que a natureza não desperdiça energia, então os sonhos têm uma função relevante em nossa vida, mesmo considerando que muitas pessoas dizem que não se lembram dos seus sonhos.
O sonho é uma presença dentro de nós que presta atenção à nossa vida e comenta sobre como estamos vivendo. Carrega uma sabedoria natural, que sabe mais sobre nós do que a nossa consciência. Neste informe esta sabedoria natural é chamada de alma-psiquê.
Se prestarmos atenção aos sonhos, começaremos a conversar com a sabedoria que está presente em nós.
Contrapondo-se às demandas e expectativas do ambiente externo, os sonhos nos mostram que nos distanciamos de nós mesmos (self). Eles nos guiam para o caminho da saúde e do que realmente importa à nossa alma-psiquê. Os sonhos nos dizem qual é o melhor caminho a seguir, sob a perspectiva da natureza e não sob a perspectiva do que a sociedade espera de nós.
“Temos um sistema de energia que nos suporta quando fazemos o que é bom para nós. Quando fazemos o que nos faz mal, forçamos nossa natureza e isto pode nos levar ao Burnout.”
Um arrependimento comum: “Eu gostaria de ter vivido minha vida e não a vida que as outras pessoas esperavam de mim.”
Alma-Psiquê
Alma-psiquê pode ser definida como “A profunda essência que está dentro de nós mesmos,”
“Você está vivendo de acordo com a intenção da sua natureza ou de acordo com a influência que a cultura e o ambiente exerce sobre você?”
A Voz da Alma-Psiquê
Como saber se estamos ouvindo a voz da alma-psiquê?
Precisamos observar nossos padrões de comportamento, em especial os que nos trazem desconforto e/ou sofrimento. Ou observar pessoas que parecem ter comportamentos que lhes trazem conforto, prazer e alegria.
Por outro lado, quando acordamos às 3:00 da manhã nos perguntando qual é o sentido da vida, parece que esta questão não veio da nossa consciência. Veio de algo mais profundo que está dentro de nós. Deve ser levada a sério e se tornar consciente. Estas perguntas podem ser decorrentes dos sonhos e são um material importante que deve ser analisado nos processos psicoterapêuticos.
“Por exemplo, eu sonhava muitas vezes que estava preso numa cela, em diferentes lugares. Isso me fazia pensar que sim estava, mas estas celas não eram celas de uma penitenciária, não havia vigias e as portas não estavam trancadas. Eu percebi que poderia abrir as portas da cela e sair. Não precisava viver assim para sempre.”
Talvez o benefício de sonhar seja aceitar o convite do sonho de ouvir a voz da alma-psiquê.
Sabedoria da Infância
Quando crianças, o mundo parecia muito poderoso, grande, forte, e nós éramos pequenos. Não tínhamos chance de viver conforme nossa natureza e nos rendemos ao que esperavam de nós. A relação entre nós-mesmos e os outros trazia constantemente a questão: “devo me guiar pela minha própria natureza ou pelo que os adultos esperam de mim?”.
Infantilmente “escolhemos” nos adaptar às determinações dos adultos para não ficarmos isolados e não sermos punidos ou ameaçados. Escolher a adaptação não mudava o que sentíamos. Uma presença dentro de nós dizia que algo não estava certo. Fazíamos tudo certo, mas nos sentíamos vazios ou deprimidos.
Autoridade Pessoal
Percebemos muitas vozes internas e externas. Qual dessas vozes é a voz da nossa alma-psiquê? A que voz estamos ouvindo, dando atenção? A que autoridade obedecemos?
A questão não é se é certo ou errado, mas a serviço de quem estou fazendo o que fazemos. Agimos por uma dependência, uma adaptação, ou pelo medo de ficarmos isolados e desprotegidos?
“O projeto central da segunda metade da vida é recuperar a autoridade pessoal!” [, obedecendo à alma-psiquê]
Prisão
Nós todos estamos encarcerados na prisão dos conceitos que internalizamos: os comportamentos adaptativos. Eles foram necessários em alguns momentos da vida. Foram até mesmo produtivos. Porém, com o passar do tempo, nos separaram da alma-psiquê.
“Nós precisamos das leis, mas precisamos perguntar a que preço.” ... “Será que precisamos de tanta permissão para sermos o que pede nossa alma-psiquê?”
Transtorno Depressivo
A palavra patologia significa a expressão do sofrimento da alma-psiquê.
Toda patologia traz a oportunidade de conversarmos com nossa alma-psiquê.
O Transtorno Depressivo é uma patologia que aparece quando aparece. Pode aparecer na crise da meia idade, quando sofremos uma perda muito relevante ou quando somos acometidos por uma doença que pode ser fatal. Esta é a oportunidade de ouvirmos a voz da alma-psiquê.
“Não obstante termos vivido uma vida que atendeu a todas as recomendações das pessoas que foram importantes para nós, o que está errado em nossa vida?”
É a consciência humana – a racionalidade - quem separa o corpo e mente da alma-psiquê. Porém, qualquer experiência vivida afeta o corpo, a mente e a alma-psiquê. Quando o transtorno depressivo [ou qualquer outra patologia, como o transtorno de ansiedade] aparece, a pergunta que poderíamos nos fazer é: qual é o sentido que ele traz à nossa vida?
Sentido da vida
A maior parte das dificuldades da vida estão associadas às crises existenciais, por não termos desenvolvido um sentido para nossa vida.
“Independentemente de darmos ou não um sentido à vida, ela segue adiante [até a morte].”
O sentido da vida está associado à alma-psiquê. O propósito da vida está associado ao ego, ao comportamento, ao que produzimos.
“Quando o transtorno depressivo me acometeu, pude observar que meu propósito de vida se contrapunha ao sentido da minha vida.”
Quando o Sentido e o Propósito da Vida estão alinhados a vida é mais harmoniosa, mais saudável. Porém, não é tão comum mantermos este alinhamento, em função da cultura e do ambiente em que estamos inseridos.
“Não há nada de errado em termos medo na vida. O que é errado é vivermos uma vida dirigida pelo medo.”
Viver com Sentido ...
Nos faz prestar atenção aos sonhos. Muda a nossa dinâmica interna e nossa dinâmica de relação com outras pessoas.
Nos faz Curiosos! Buscamos permanentemente respostas para as perguntas que fazíamos a nós mesmos quando éramos crianças:
Quem sou eu?
'
Quem é você?
Como pode ser a nossa relação?
Por que eu estou aqui?
Qual é a minha relação com a natureza?
Qual é a minha relação com as outras pessoas?
Qual é a minha relação com o sentido e o propósito da vida?
E nas sessões de psicoterapia ...
Em nossa prática psicoterapêutica, independentemente da demanda do paciente, proponho que comecemos com a Anamnese.
Resumidamente, Anamnese é um termo da área da saúde que significa o levantamento sumário do Histórico Clínico.
O período mais relevante a ser considerado na psicoterapia de base psicanalítica é a infância, desde a concepção até os 5 anos de idade. É neste período que construímos a base que sustenta nossa dinâmica psíquica.
A anamnese focada na infância, estimula o paciente a perceber o conflito entre o que desejava sua natureza infantil e o que seu lar cobrava dele. E assim, para ser cuidado, acolhido, protegido e amado, “escolheu” o que a se esperava dele, ao invés do que pedia a alma-psiquê.
A sabedoria de Hollis nos estimula a fazer a nós mesmos as mesmas perguntas que fazíamos durante a infância, e continuar a fazê-las durante toda a vida. É uma forma de vivermos o presente guiados pela voz da alma-psiquê, fazendo escolhas alinhadas ao Sentido e ao Propósito da Vida.
Contamos com nossos sonhos para perceber que, quando não estamos fazendo o que a nossa alma-psiquê pede, o bem estar é prejudicado.
Referência bibliográfica:
85 anos de idade: “Levou mais de 50 anos para aprender o que vou compartilhar com vocês
Entrevista: Rangan Chatterjee conversa com Hollis, em seu canal Sinta-se Melhor e Viva Mais
(vídeo em idioma Inglês)
Sob a Sombra de Saturno: uma Perspectiva Junguiana
Hollis, James; Paulus Editora - 1ª edição 1997
Outros Informes: Psicologia Assessoria de Desempenho Consultoria Empresarial Idéias Inspiradoras